sexta-feira, 25 de março de 2011

Entrevista do Director Artístico José Fernandes ao Jornal "Barcelos Popular" - Edição de 24/03/2011

Barcelos Popular
Autor: Pedro Granja
Poucos dias depois de comemorar o 15º aniversário do TPC e antes de mais um Dia Mundial do Teatro, o Barcelos Popular falou com uma das pessoas que mais tem feito pelo teatro em Barcelos: José Fernandes, director artístico e fundador do grupo.


Barcelos Popular (BP) O TPC encontra-se, actualmente, no patamar que esperava, há quinze anos atrás? Serão levadas à cena peças novas, para além da re-estreia de “A Maluquinha de Arroios”? 
José Fernandes (JF) O percurso do TPC não foi previsto com tanto tempo de antecedência… O ponto de chegada também não. Nem vai ser. Definimos princípios e estabelecemos metas, geralmente orientadoras para um plano de dois/três anos. A re-estreia da peça “A Maluquinha de Arroios”, de André Brun, foi um desejo de muitos actores, que gostaram de a ter trabalhado há 5 anos e tiveram pena de ela ter sido interrompida pelas vicissitudes pessoais e profissionais de alguns. As várias secções do TPC estão a preparar novos trabalhos: o TPCzinho mais um conjunto de histórias infantis, o TPCjunior um espectáculo com comédias sobre viúvas em que entrará mais uma peça de André Brun e o TPC “sénior” depois da Páscoa preparará uma ou duas peças curtas, entre as quais uma, porventura actual, chamada “Para as eleições”.


BP Qual a diferença entre o teatro amador e o profissional? Acha possível o TPC, algum dia, dar esse “salto”? Ou essa ambição não faz sequer sentido?
JF A diferença evidente está em quem faz teatro: ou faz dele profissão ou precisa dele para completar a forma como vive na e para a sociedade. Fazer parte de um grupo de teatro ou de um coral amadores, por exemplo, é um contributo social pessoal e colectivo. Não quero nem qualquer dos actuais elementos do TPC ambiciona ser profissional de teatro. Talvez alguns do TPCzinho. E depois há grupos amadores que apresentam trabalhos muitas vezes de qualidade igual ou superior aos grupos profissionais. Veja-se, por exemplo, as peças que concorrem ao Festival Nacional de Teatro Amador da Povoa de Lanhoso, algumas das quais já têm sido apresentadas em Barcelos.


BP O TPC apresentou-se defensor de obras populares. Por uma questão de estratégia, de defesa, ou acha que o elitismo tem afastado as pessoas do teatro?
JF Uma vez, adormeci profundamente enquanto assistia a uma peça no Teatro da Trindade, em Lisboa e só acordei com as palmas finais. É certo que eu estava cansado e não conseguia acompanhar a profundidade do texto. Mas isso marcou-me bastante. Penso que tem de haver lugar para as chamadas elites, sejam praticantes ou espectadores, poderem usufruir de textos, interpretações e encenações ousados, mesmo experimentais, muitas vezes polémicos e agressivos. E penso que ninguém espera ver salas repletas, nesses espectáculos. O mesmo se passa no campo do cinema, da música, etc. Mas a minha e nossa opção foi sempre: os nossos espectáculos não podem ser para incomodar as pessoas, como também não podem ser para as aturdir com risos fáceis e bolos na cara. E isto com todo o respeito por quem pensa o contrário. Mas não somos ortodoxos: um dos nossos trabalhos mais bem conseguidos foi a dramatização do poema “A Invenção do Amor”, de Daniel Filipe, que nada tem de divertido.


BP Defendeu também, “como princípio orientador”, apresentar apenas autores da língua portuguesa? Qual a razão?
JF Procuramos uma especialização, uma marca. Para quê ir para autores estrangeiros se os portugueses ainda não estão esgotados? Por exemplo, há muitos autores portugueses do século XIX que são praticamente desconhecidos e se enquadram no espírito que mostrei na questão anterior.


BP O facto de quererem evitar apresentar peças “incómodas” deve-se ao vosso carácter amador? Acha que esse trabalho da obrigação do chamado profissional?
JF Penso estar respondido na penúltima questão.


BP Já visitou o “novo” Teatro Gil Vicente? Qual a sua opinião sobre a obra?
JF Ainda não visitei o “novo” Teatro Gil Vicente, porque ainda ninguém me convidou para o fazer (desconheço se há outra possibilidade de visita…). Pelo que tenho lido na comunicação social e só por ela, a obra ficou muito aquém das minhas expectativas. Perdeu-se a oportunidade de termos um espaço público (e sublinho o público) amplo, capaz de abranger diversos tipos de espectáculo e não apenas de teatro declamado, mas também ópera, ballet ou grandes orquestras, por exemplo.


BP Como encara, depois de tantos anos, que o teatro continue fechado? Sendo você um dos principais promotores do teatro amador concelhio, veria com bons olhos que a gestão do teatro fosse “entregue” às associações locais? Como acha que o teatro deveria ser gerido?
JF A sabedoria popular tem dois ditados contraditórios: “Quem espera desespera” e “Quem espera sempre alcança”. Esperamos, desesperamos e (ainda) não alcançamos nada. Não percebo a razão da não abertura, apesar de algumas explicações que vamos ouvindo. Antes de falar sobre um possível modelo de gestão, importa definir que tipo de realizações artísticas se quer lá. Muito sumariamente imagino-as como uma repartição entre produtos culturais concelhios – e há muitos e de muitos tipos – e não concelhios. A gestão deveria ser entregue a um director, escolhido mediante concurso público e após apresentação das linhas orientadoras que pretende implementar, e a dois, chamemos-lhes sub-directores vocacionados um para os produtos culturais concelhios e outro para os não concelhios.

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